“O universal é o local sem paredes.” (Miguel Torga) "Escrever é um ato de liberdade." (Antônio Callado) "Embora nem todo filho da puta seja censor,todo censor é filho da puta." (Julio Saraiva)

segunda-feira, 22 de março de 2010

POEMA DO ALÉM

na rua maria paula
em frente à federação espírita do estado de são paulo
dois homens dividem restos de comida
& uma garrafa de pinga
comem enfiando as mãos na mesma vasilha
não falam
apenas comem com as mãos
restos de comida da mesma vasilha
entre goles de pinga
os restos de comida chegam ao fim
a garrafa de pinga já vai pela metade
a noite é quente
há prenúncio de chuva
os dois homens se levantam
& começam a catar pontas de cigarro no chão
cada ponta de cigarro é um troféu
aos dois junta-se um terceiro
que traz outra garrafa de pinga
mas não levou sorte: perdeu o jantar
a pinga esquenta por dentro & engana a fome
no prédio da federação espírita do estado de são paulo
os vivos conversam com os mortos
como se apesar vivos já fossem mortos antigos
e os mortos como se tivessem chegado a este mundo ontem
                                                                 [num voo fretado
puta intimidade
: encontro entre vivos & mortos dá samba
os três homens na calçada ignoram essas coisas do além
os três homens na calçada desprezam as coisas do além
faz tempo que os três homens  estão além
muito além do além
dona marta diz que é dívida
acerto de contas do que fizeram noutra encarnação
aceitaram voltar miseráveis assim para expiar
os indianos chamam isso de karma
as religiões encontram jeito pra tudo
ainda bem
karma é uma palavra bonita
bem trabalhada até cabe em poesia
eu não entendo muito de coisas do outro mundo
e nem deste
mas de certo modo
também vivo no além
também vivo  noutro mundo
não sei qual mas vivo ou acho que vivo
como os três homens que vi na rua maria paula
deve ser karma
- meu amor por você morro de  karma
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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