“O universal é o local sem paredes.” (Miguel Torga) "Escrever é um ato de liberdade." (Antônio Callado) "Embora nem todo filho da puta seja censor,todo censor é filho da puta." (Julio Saraiva)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

POEMA DE CONDÃO

crias girassóis em torno da casa imaginária
imaginários também são os animais da casa
assim como imaginária é a vida por aqui
imaginário só não é o ar que respiramos

inventamos uma porção de dias felizes
mas não devemos gastá-los todos
porque amanhã no pé em que as coisas vão
por certo vamos precisar deles  - nunca se sabe
é sempre bom estocar um pouco de dias felizes

agora sim podemos caminhar de mãos dadas
pelo jardim da casa onde plantas e pássaros nos esperam
tu me emprestas um pouco do teu sorriso
com o teu sorriso sinto-me mais à vontade

pois então recomecemos a nossa história
na nossa história nada era uma vez
porque na nossa história o tempo não existe

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 23 de julho de 2011

PEQUENA CANÇÃO PARA UMA GRANDE AUSÊNCIA

tua ausência dorme no bolso de um colete cinza-inverno
esquecido na gaveta do meu guarda-roupa
nunca usei colete e mesmo que quisesse usar
este que abriga a tua ausência não me serve mais
eu bem podia livrar-me dele
dá-lo a qualquer um desses homens que vivem na rua
ou mesmo atirá-lo ao lixo
mas se o fizesse o que seria da tua ausência?

todas as manhãs quando abro a gaveta
lá está o colete cinza-inverno
lá está a tua ausência encolhida a exigir
de mim o remorso que não sinto
sofro de gostar de sofrer
e isto é mal que dizem não tem cura
a única solução seria estrangular a memória
mas ainda assim não sei se daria certo

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 22 de julho de 2011

ORAÇÃO PARA IANSÃ EM FORMA DE POEMA

ó senhora dos raios
da tempestade dos ventos
escutai minha prece
espantai meus lamentos

ó minha linda guerreira
olhai por mim cá na terra
emprestai-me a vossa espada
e o vosso grito de guerra

ó favorita de xangô
guardai-me sou filho de fé
vou dou um leque de penas
e um prato de acarajé

ó minha oiá matamba
ó iansã epahê!
quando eu me for pra aruanda
peço-vos me receber

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 21 de julho de 2011

DAS ARMAS







O POETA PERDE A BATALHA MAS NÃO PERDE O POEMA


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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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SONETO PARA OSCAR NIEMEYER

faz muito tempo te queria escrever
talvez na data do teu centenário
mas meu verso anda tão ordinário
que me coloca muito irritado ao ler

porém aqui vai sem régua e compasso
habilidade é o que mais me falta
perdoa se não sei fazer um traço
e nem minha poesia ser tão alta

aceita  oscar este meu soneto
juro não vou rimar branco com preto
a dizer pouco melhor dizer nada

sou só um cantor pobre de coreto
de alma tão suja toda embriagada
a saudar-te oscar  -  velho CAMARADA!

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 20 de julho de 2011

DIES IRAE

do meu quarto todas as noites
eu ouvia meu pai gemer as dores do câncer
era um gemido comprido comprido
que parecia não acabar nunca
era um quase canto gregoriano
era um quase ofício de trevas

naqueles dias de agonia
a casa toda tinha olhos de extrema-unção
e cada móvel e cada quadro e cada objeto
era um sacerdote antigo e magro com seu breviário em latim
sempre sempre a recitar o Dies Irae
a casa toda era o próprio Juízo Final de michelangelo

quando levaram meu pai ao hospital
apenas para cumprir o exercício de morrer
toda liturgia foi embora com ele
e a casa voltou a ter seus olhos de casa
os móveis os quadros os objetos
voltaram à natureza comum de móveis quadros objetos
só os versos do Dies Irae continuaram a martelar nos meus ouvidos

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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PERIQUITO SEM ASAS

na contramão dos meus olhos
caminha uma mulher estupidamente bela
que jurou matar-me um dia
e disso não duvido  -  nunca duvidei
por isso evito sonhar quando ela está por perto

em sonho também se mata
em sonho também se morre
dependendo do azul que o sonho oferece
prefiro o horror do pesadelo

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 18 de julho de 2011

MINHA MORTE

minha morte me ama
minha morte me deseja
minha morte está sempre
a me esperar na esquina
com ares de puta
e braçadas de flores brancas
por isso não reclamo
do fel de cada dia que me dão
nem fujo do inimigo
que me quer à traição
e me oferece um sorriso de faca afiada
minha morte é meu escudo
minha morte é minha espada
minha morte é meu orixá
exu fêmea na encruzilhada
pronta pra me defender

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 2 de julho de 2011

BALADA MUITO ANTIGA

ai sofro de sofrer tanto
que até o sofrer me distrai
meu riso vem do meu pranto
soluço vira acalanto
silêncio vira estribilho
tristeza é mulher que me atrai
no fundo sou sempre o filho
na noite à procura do pai

ai sofro de sofrer tanto...

caminho que nunca trilho
dor que finge ir mas não vai
parto não deixo rastilho
minha sombra nunca me trai
não maldigo o desencanto
não rezo não tenho santo
se o dedo aperta o gatilho
corpo tomba sombra não cai

no fundo sou sempre o filho
na noite à procura do pai

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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