“O universal é o local sem paredes.” (Miguel Torga) "Escrever é um ato de liberdade." (Antônio Callado) "Embora nem todo filho da puta seja censor,todo censor é filho da puta." (Julio Saraiva)

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

SONETO TRISTE

nada mais me trará de volta o dia
enquanto me doer a ausência tua
e sendo eu um a mais no olho da rua
sou apenas o pó que eu não queria

onde foi parar minha poesia?
no meu peito arde esta chaga crua
e assim me morro sem a garantia
de que amanhã a vida continua

fecham-me de vez todas as janelas
tornam-se mais altos todos os muros
sufoca-me o peso desses escuros

eis-me de novo com as minhas guerras
navegando só sem vento e sem vela
no mar insano dos meus esconjuros


18-09-12

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

DEPOIS QUANDO AO PÓ EU TORNAR...


depois quando ao pó eu tornar escuta
guarda teu choro pelos que têm fome
e continuam nesta vida bruta
tendo miséria como sobrenome

fica a certeza - fui mais um na luta
mas a lembrança de repente some
a voz do morto ninguém a escuta
o tempo aos poucos apaga-lhe o nome

esquece todas aquelas histórias
pois foram frutos de tantas loucuras
noites bêbadas junto das escórias

a pecar e pecar sempre às escuras...
rasga as páginas das minhas memórias
não são escritos  -  apenas rasuras


19-09-12

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Júlio Saraiva
São Paulo, Brasil
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domingo, 16 de setembro de 2012

BALADA DO OUTRO

ele quis alguma coisa
além das descobertas
uma coisa maior que o tempo
com sua pressa de tempo
não lhe podia dar
então ele mesmo achou de
construir o seu tempo
um tempo sem pressa de tempo
porém seus olhos moídos
nem sempre podiam enxergar
e os ombros cansados também
já não suportavam mais
o peso de tantas marés
assim mesmo ele quis porque quis
alguma coisa além das descobertas
alguma coisa que nem ele mesmo
sabia ao certo o que era...
e como essa coisa não vinha
trancou-se em sua mudez
deixou que as palavras todas
perdessem o significado
e deixou que aquela noite se partisse
ao meio como uma laranja podre
e morreu contente de tédio
em seu quarto com a tv ligada
morreu de um tédio tão natural
que o seu rosto tinha um quê de feliz
como dantes nunca o tivera


16-09-12

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Júlio Saraiva
São Paulo, Brasil
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sábado, 15 de setembro de 2012

EVANGELHO SEGUNDO O POETA

no princípio era a lua
a pedra
o sol

depois o susto
o surto
a palavra
o sonho

e do sonho fez-se a mulher
foi quando a poesia
habitou entre nós
para sempre

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Júlio Saraiva
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

ODE AO MORTO


o morto tem a garganta acesa
e uma extrema-unção precoce

o morto em seu caixão de vidro
é retalho de si mesmo
usa o terno que não tinha
e a gravata que lhe deram

e segue assim desabotoado
achando que não morreu


12-09-12
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Júlio Saraiva
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

POEMA DE 7 DE SETEMBRO

que importa o dia lá fora
se as minhas pernas e os meus pés não se entendem?
da janela o olhar aflito que tenho
põe-se a engolir a rua
no entanto mantenho-me sóbrio
e aceito a condenação que me foi imposta
os livros me espiam mudos e fechados
as palavras estão dormindo
acordar madame bovary ou capitu com os seus
olhos de ressaca seria inútil
que dorian gray descanse em paz
zorba o grego dance muito
e os poemas de camões me deixem quieto
não tenho pressa
tudo é uma questão de paciência
nesses anos todos só tenho conjugado o verbo esperar
quando eu me via nos campos de batalha
o desejo de ser herói me empurrava para a vida
porque eu cria nos heróis
hoje estou reformado sem nenhuma medalha
também não me consta ter praticado
qualquer ato de bravura
uma paz feita de vazios me envolve nesta
madrugada de 7 de setembro
dia da pátria - da minha pátria
mas acontece que eu não sei se ainda tenho pátria

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Júlio Saraiva
São Paulo, Brasil
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CHICO BUARQUE - DESENCONTRO

SONETO DO AMOR CANSADO

"Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo (...)"
- Carlos Drummond de Andrade -


sim os corpos correm como inimigos
a vida foge mas vem o amanhã
os mesmos beijos abraços antigos
na testa ardendo a mesma febre terçã

na cabeceira rosários e abrigos
mais o injusto medo da sempre-maçã
enfim onde cabem nossos castigos
se nos queima o peito uma crença pagã?

mas eis que o amor cansou de estar tão velho
que de caduco na primeira esquina
de uma só queda partiu o joelho

no carnaval  -  pierrô/colombina
perderam rumo quebraram espelho
este soneto como é que termina?

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Júlio Saraiva
São Paulo, Brasil
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