“O universal é o local sem paredes.” (Miguel Torga) "Escrever é um ato de liberdade." (Antônio Callado) "Embora nem todo filho da puta seja censor,todo censor é filho da puta." (Julio Saraiva)

sábado, 25 de junho de 2011

ALEXANDRE O'NEILL, O PENITENTE



- para o próprio o'neill, com carinho
e respeito, dedico

deu-se que o poeta o'neill estava morto
não lhe deram nada em vida
mas morto no frio da morgue
estava bem quieto
como se nos mandassem a todos
à casa do caralho

era um morto qualquer
como qualquer mais um morto
mas um morto diferente
a perturbar o reino dos céus

na sua condição de morto
alexandre não estava morto
apenas pediu um cigarro
um gole mais de bebida
e disse não para os anjos

puta que me pariu
junto com seus amigos
junto com seus demónios
o poeta preferiu o inferno

júlio saraiva,
S.Paulo – Brasil

NOTA: Poema nas vozes do Animador da Palavra, eduardo roseira e José Mário Roseira, que também fez o filme

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A SEGUNDA CANÇÃO DE EXÍLIO

"Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude."

- Carlos Drummond de Andrade -

também vim ao mundo carlos para ser gauche
daí este meu jeito triste
daí esta minha sina de sempre exilado
daí este meu beber sem limite
daí este meu vestir sem cuidado

mas eu também já fui brasileiro
tive sonhos de revolução
mas minha coragem carlos
nunca passou das mesas dos bares
sórdidos que frequentei
onde fui aos poucos deixando
alguns anos da minha vida

mas cansado de tanto morrer
dei agora de esconder-me de mim
isto provavelmente carlos
deve ser o prenúncio do fim

carlos mesmo sem ter dinheiro
eu também já fui brasileiro

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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CANÇÃO PARA ADÉLIA PRADO

Adélia, empresta-me um pouco
Teus olhos muito vivos
E teus cabelos brancos desgrenhados
Pra que eu me lave todo
Da sujeira dos meus pecados.

Adélia, empresta-me um poema,
Que eu aqui me vou tão velho.
Empresta-me um pouco da tua igreja,
Do contrário no céu eu não entro.
Dá-me tuas mãos, Adélia,
Cheirando a verso e coentro.

Dá-me um toque de sinos
E tua pureza de anjo.
Dá-me um dedo de poesia
Depois, por mim mesmo, me arranjo.

Empresta-me o fogo doido,
Que arranca o pecado do mundo.
Empresta-me teus santos altares
Pra que eu volte à meninice,
Quando ainda eu cria nos santos.

(Só não briga comigo não, Dona Doida,
Que a vida não me dá mais encantos.
Não demora me vai em segundos,
Náufraga em meu mar de prantos.)

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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FATAL

Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma atriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se dissessem: acomoda-te no teu galho,
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperando que ganhem indecisão.E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso.

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Adélia Prado,
Divinópolis, Minas Gerais, Brasil
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MEU VERSO

"Meu verso é minha cachaça."
- Carlos Drummond de Andrade -


meu verso é capim seco
não há chuva que o console
meu verso brota do esterco
eu o bebo de um só gole

meu verso é feito de urânio
meu verso é feito de urina
meu verso é feito de esperma
meu verso é porrada no crânio
nunca sei onde começa
nunca sei onde termina

meu é de pouco riso
meu verso é melancólico
às vezes pode ser lírico
mas quase sempre etílico
de alto teor alcoólico

meu verso é alma penada
a vagar pelo cemitério
cantiga desafinada
meu verso é um caso sério

meu verso é minha mentira
e assim vai gravando em vídeo
queira ou não queira a lira
imagens do meu suicídio

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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SONETO AUTOBIOGRÁFICO

dentro de mim mora uma tempestade
e dela não pretendo nunca abrir mão
no meu rosto as marcas da antiguidade
na falta de um sim esculpi o meu não

se sou retrato de um caso perdido
é sinal que nunca fugi da luta
derrotado não me dou por vencido
mesmo sendo um grande filho da puta

trago mortes sem fim na bagagem
lançando dados não creio na sorte
vou chutando as pedras do meu caminho

estou pronto pra qualquer viagem
e pouco se me dá se sul ou norte
pois tenho asas sem ser passarinho

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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PRIMEIRA CANÇÃO DE EXÍLIO

Para Estrela Leminski e Téo Ruiz

muito me choca essa coisa
de os poetas morrerem tão cedo
e não é de amor ou tuberculose
mas de overdose da puta desta vida
por isso não gosto dos poemas de amor
evito escreve-los até pra minha amada
quando dorme
por isso vivo quebrando meu pé
ora um ora outro
já não enxergo mais direito
ando na contramão do meu sonho
vou aos comícios de chinelos
fui parar na misericórdia duas vezes
porque não tinha dinheiro pra pagar lugar melhor
não ter dinheiro pra mim é estado de espírito
pra compensar a sopa aguada servida na misericórdia
havia os olhos azuis da enfermeira
que não quis fazer um filho comigo
e não foi falta de insistir
agora olho a rua onde moro
e sinto saudade de mim

:meu tempo é um retrato breve
pregado numa parede qualquer

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 12 de junho de 2011

DEBUTANTE

e
toda canção
era
um sonho
de valsa

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 8 de junho de 2011

POEMA ORIENTAL

mergulhavas nas águas
daquele lago
de vidro
entre carpas douradas

quando te erguias
a fina seda
do vento
protegia
a tua nudez

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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a samambaia comia as vigas do teto
mamãe jogava cartas na sala
a banheira
transformada em canteiro
não tirava os olhos de mim
lembrei do teu corpo
engasguei com espuma
e afoguei a ideia de fazer um poema

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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