“O universal é o local sem paredes.” (Miguel Torga) "Escrever é um ato de liberdade." (Antônio Callado) "Embora nem todo filho da puta seja censor,todo censor é filho da puta." (Julio Saraiva)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

DOIS POEMAS DE VINÍCIUS DE MORAES

SONETO DO AMIGO

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

Los Angeles, 7/12/1946

____________________

HISTÓRIA DE ALMA

Meia-noite. Frio. Frio em tudo
E mais frio que em tudo, frio na Alma
A Noite grande e aberta... A Alma grande e aberta...
Infinitamente frias...

No alto a noite má seguia a Alma que vagava
Enregelada e nua entre todas as almas
Seguia a Alma presa
Presa por todos os lados
A Alma caminhava e a noite caminhava com ela
A Alma fugia e a noite perseguia a Alma
E a Alma parava. Então a noite também parava
E mandava um frio mais frio do que a Alma

E a Alma já fria tornava a caminhar
E a noite vinha e perseguia a Alma
E a Alma parava... e a Alma parava...
E chorando ajoelhada pedia perdão...

___________________

Do livro Jardim Noturno,poemas inéditos.
Organização e seleção de Ana Miranda,
Companhia das Letras, São Paulo, Brasil,
1993.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Compartilhe o Currupião