pintas camaleões nas folhas secas do meu jardim de outono
fazes muito bem
só peço-te não machuques o peixe-espada que não sabe mais
esgrimir porque o tornaste durante um século prisioneiro
no aquário escuro das nossas lembranças
preparas os sais e os aromas para o ritual do teu banho
tão logo os primeiros galos acordem a manhã
anunciando a minha morte
fazes muito bem
só peço-te não apagues do meu rosto as chuvas que caíram
pesadas em londres ou paris - não me lembro ao certo -
naquele ano de 1911 quando eu vivia de tocar violino nas gares
em troca de moedas para garantir miseráveis côdeas
de pão e uma pequena parte de vinho
ajeitas o trapézio no ponto mais alto que a tua imaginação convém
fazes muito bem
só peço-te para fechar os olhos quando eu cair estatelado no asfalto
depois da vigésima quinta pirueta
sem que nenhum aplauso me faça despertar
aí então aproxima-te do que de mim ficou e cobre o meu silêncio
com os sorrisos e as cinzas que juntaste
ao longo dos nossos quarenta e quatro últimos carnavais
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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«Fazes muito bem» divide maravilhosamente os versos, dá-lhe um ligeiro ar de tolerância ao ponto do irrelevante, contraposto com um «Só peço-te» que vem acentuar a distância. há um «Sei-me perdido» que depois monta o carnaval da existência em cenas, piruetas.
ResponderExcluirsaberia sempre que eram versos teus, mas lembrou-me, de repente, Sá-Carneiro.
gostei imenso, invejei-lhe os versos.
um abraço
mário
grande mário,
ResponderExcluirsuas palavras me fazem um bem danado, amigo.
abração,
j.
Júlio,
ResponderExcluireste, com a sua permissão, vai também para o blogue Cascata de Silêncio.
DM
meus versos são do mundo. fico honrado.
ResponderExcluirj.