“O universal é o local sem paredes.” (Miguel Torga) "Escrever é um ato de liberdade." (Antônio Callado) "Embora nem todo filho da puta seja censor,todo censor é filho da puta." (Julio Saraiva)

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

RITOS FINAIS

pintas camaleões nas folhas secas do meu jardim de outono
fazes muito bem
só peço-te não machuques o peixe-espada que não sabe mais
esgrimir porque o tornaste durante um século prisioneiro
no aquário escuro das nossas lembranças

preparas os sais e os aromas para o ritual do teu banho
tão logo os primeiros galos acordem a manhã
anunciando a minha  morte
fazes muito bem
só peço-te não apagues do meu rosto as chuvas que caíram
pesadas em londres ou paris - não me lembro ao certo -
naquele ano de 1911 quando eu vivia de tocar violino nas gares
em troca de moedas para garantir miseráveis côdeas
de pão e uma pequena parte de vinho

ajeitas o trapézio no ponto mais alto que a tua imaginação convém
fazes muito bem
só peço-te para fechar os olhos quando eu cair estatelado no asfalto
depois da vigésima quinta pirueta
sem que nenhum aplauso me faça despertar

aí então aproxima-te do que de mim ficou e cobre o meu silêncio
com os sorrisos e as cinzas que juntaste
ao longo dos nossos quarenta e quatro últimos carnavais

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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4 comentários:

  1. «Fazes muito bem» divide maravilhosamente os versos, dá-lhe um ligeiro ar de tolerância ao ponto do irrelevante, contraposto com um «Só peço-te» que vem acentuar a distância. há um «Sei-me perdido» que depois monta o carnaval da existência em cenas, piruetas.

    saberia sempre que eram versos teus, mas lembrou-me, de repente, Sá-Carneiro.

    gostei imenso, invejei-lhe os versos.

    um abraço

    mário

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  2. grande mário,

    suas palavras me fazem um bem danado, amigo.

    abração,

    j.

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  3. Júlio,

    este, com a sua permissão, vai também para o blogue Cascata de Silêncio.

    DM

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  4. meus versos são do mundo. fico honrado.


    j.

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