"Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho"
- Carlos Drummond de Andrade -
não te farei uma prece
porque deus fugiu de mim faz tempo
não repares
: não posso suplicar às estrelas
porque tenho os olhos míopes
e sem os óculos enxergo nada
- ou quase
vejo-te com teus dedos exaustos
batendo na porta do fim
fim? mas que fim é este?
o fim não existe
vem um padre que gostavas
ele sim diz uma prece
com seu livro de rezas na mão
como não podes mais receber a hóstia
faço tuas vezes embora não creia
mas já fiz tanto isto na sala de visitas do nosso casarão
- lembras-te?
eu era só o menino triste e levado que conversava com os cães
e rabiscava frases que não tinham sentido
numa noite de julho tentei me matar
e acordei numa casa de loucos
e pensei que a enfermeira que me pedia calma
com seu par de olhos azuis fosse um anjo
depois eu tinha a bola nos pés
depois eu tinha o mundo nas mãos
e percebi que todo gol que eu fazia era inútil
me perdoa
não tive culpa quando a poesia veio ter comigo
sabia que isso ia acabar em dor
mas não pude recusá-la
me perdoa
teu menino envelheceu
criou barba teve mulheres chorou amores perdidos
escreveu canções nas mesas dos bares
não foi culpa minha
a poesia me seduziu criminosamente
sem que eu pudesse dizer não
não pensei que isto fosse acabar em dor
(tenho a alma suja de sangue)
me perdoa
o ato de existir também me agride
agora quando os teus dedos frágeis mãe
batem na porta do fim
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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Que dizer deste prenúncio de uma elegia?
ResponderExcluirBelo, belíssimo.
amigo domingos,
ResponderExcluireste poema foi escrito pela dor, não por mim. se eu pudesse, daria a autoria à DOR.
j.
...eis uma forma de tornar bela as palavras escritas com DOR. Bravo, meu Poeta!
ResponderExcluira dor nos ensina a escrever, meu querido irmão.
ResponderExcluirj.