para Cristóvão Siano, meu amigo
"E temei o dia em que nenhuma
alma poderá advogar por outra,
nem lhe será admitida intercessão
alguma, nem lhe será aceita
compensação, nem ninguém será
socorrido!
- Do Corão, 2ª Surata , 48-
quando o anjo bom veio buscar minha mãe
e ela já não tinha mais nenhum sorriso nos lábios
- era só um rosto de cera
descobri que todos os mortos são iguais
morta como todos os mortos minha mãe
não reagiu à estrutura imposta pelo silêncio
só por isto acreditei no silêncio
na medida em que a morte dói
mas só nos pede silêncio
queria rir queria beber e fumar maconha na esquina
assim mais ou menos como eu fazia aos quinze anos
mas o anjo bom que veio buscar minha mãe
teve paciência para me avisar que eu já não tinha
mais quinze anos e o barco se toca conforme o rumo dos ventos
só que vivi sem aprender o rumo dos ventos
pedi ao anjo uma audiência com deus
mas deus estava dormindo e nem se deu conta
que o anjo bom havia levado minha mãe
(nunca é bom acordar o dono do mundo nessas horas
: é preciso que ocorra o desenlace - penso comigo -
para que deus se dê conta nessas horas)
quando o anjo bom veio buscar minhas mãe
sei que ele se aproveitou da ausência ou do sono de deus
e eu pra não lavar as mãos como pilatos
chorei minhas culpas e percebi que minha morte
ia junto com minha mãe
e naquela hora reclamá-la seria impossível
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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Caro Júlio,
ResponderExcluirA inveja é uma coisa muito feia, mas ao ler um poema tão bom quanto este sinto-me um pecador. Quem me dera ter um pouco desse talento. Na verdade, sou um aprendiz.
Abraço
Cristóvão
inveja em literatura não é pecado. deus, se houver, alivia. mas aqui não é bem o caso. o olhar amigo exagera às vezes, e deixa este poeta de botequim envaidecido - mas qual sujeito que se presta a fazer arte (aqui vale a palavra arte em todos os sentidos) não é vaidoso? e a vaidade, que agora tenho em dobro, esta sim é pecado.
ResponderExcluirobrigado pelas palavras tão amigas numa hora hora em que só preciso delas.
j.