"Não acorde o menino."
Drummond, no poema Infância.
Para Carlos Drummond de Andrade, com respeito.
minha mãe tinha ternuras antigas nos lábios
meu pai ensinava matemática
eu nunca aprendi a prova dos nove
mas na esquina da minha rua
que se chamava antônio bento
o bonde fazia seu ponto final
o motorneiro se chamava manolo
usava boné na cabeça - no pé não podia usar
ele era espanhol e falava em política com meu avô
que era português
eu que não sabia política
apenas sonhava....
um dia tiraram os bondes da minha rua
manolo foi embora
carregando franco nas costas
e eu me apaixonei por thais
um dia ela também foi embora
me trocou por menino bonito
meu avõ português morreu debaixo de um caminhão
eu vi
e por thais e por meu avô
na falta de coisa mais importante
virei poeta
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 20 de setembro de 2011
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
SOB A PEDRA DO SOL
"Acredito na salvação da humanidade,
no futuro do cianureto."
- Cioran -
sob a pedra do sol
o poema se decompõe
as casas se decompõem
as sombras se decompõem
as sobras se decompõem
sob a pedra do sol
as pedras dos meus dias podres
apodrecem também
as pedras dos vossos dias podres
apodrecem também
as paixões pichadas nas paredes
apodrecem também
sob a pedra do sol
espalhamos pavor e pânico
em anônimas cartas de condolências
timbradas com o fel do nosso ódio
e enviadas ao inimigo morto
com dez anos de atraso
sob a pedra do sol
todas as cores fazem escuro
fazem escuro
fazem escuro
todas as cores fazem escuro
sob a pedra do sol
cada vez mais longe da eternidade
toda decadência é bela
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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no futuro do cianureto."
- Cioran -
sob a pedra do sol
o poema se decompõe
as casas se decompõem
as sombras se decompõem
as sobras se decompõem
sob a pedra do sol
as pedras dos meus dias podres
apodrecem também
as pedras dos vossos dias podres
apodrecem também
as paixões pichadas nas paredes
apodrecem também
sob a pedra do sol
espalhamos pavor e pânico
em anônimas cartas de condolências
timbradas com o fel do nosso ódio
e enviadas ao inimigo morto
com dez anos de atraso
sob a pedra do sol
todas as cores fazem escuro
fazem escuro
fazem escuro
todas as cores fazem escuro
sob a pedra do sol
cada vez mais longe da eternidade
toda decadência é bela
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 14 de setembro de 2011
POEMA PORTUGUÊS
Ao Poeta Xavier Zarco, meu amigo
vejo-te num café qualquer de coimbra
a conversar com pascoaes e o'neill
mas só as águas do mondego
as paredes do mosteiro de santa clara
e inês de castro envolta em seu xaile
podem escutar o que conversam
eu cá tão distante tento apenas adivinhar
falam do amor e da morte
talvez das viúvas e dos órfãos
falam também de um relógio imaginário
que ao tempo nunca obedeceu
penso que o mundo parou de girar de repente
e as notícias que os jornais tinham prontas
ficaram dois séculos mais velhas
a verdade amigo é que estamos todos mortos
e distraídos não percebemos e continuamos aqui
à mercê do vinho e da poesia
objectos de palavras inúteis que mendigamos
como côdeas de pão amanhecido
à tua frente o'neill está a rir-se
como a debochar do silêncio que cruza
o arco da almedina
à semelhança de uma pomba atordoada
que parece voar sem rumo
uma mulher que não fazia parte do poema surge
aproxima-se de pascoaes e o beija
"Com uns lábios que a terra já desfez." (*)
Madrugada de 14-09-11
(*) Verso do Poema Idílio, de Teixeira Pascoaes
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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vejo-te num café qualquer de coimbra
a conversar com pascoaes e o'neill
mas só as águas do mondego
as paredes do mosteiro de santa clara
e inês de castro envolta em seu xaile
podem escutar o que conversam
eu cá tão distante tento apenas adivinhar
falam do amor e da morte
talvez das viúvas e dos órfãos
falam também de um relógio imaginário
que ao tempo nunca obedeceu
penso que o mundo parou de girar de repente
e as notícias que os jornais tinham prontas
ficaram dois séculos mais velhas
a verdade amigo é que estamos todos mortos
e distraídos não percebemos e continuamos aqui
à mercê do vinho e da poesia
objectos de palavras inúteis que mendigamos
como côdeas de pão amanhecido
à tua frente o'neill está a rir-se
como a debochar do silêncio que cruza
o arco da almedina
à semelhança de uma pomba atordoada
que parece voar sem rumo
uma mulher que não fazia parte do poema surge
aproxima-se de pascoaes e o beija
"Com uns lábios que a terra já desfez." (*)
Madrugada de 14-09-11
(*) Verso do Poema Idílio, de Teixeira Pascoaes
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 13 de setembro de 2011
CRÔNICA POLICIAL
quarenta minutos antes do casamento
a noiva colocou ponto final à vida
trancada no banheiro do apartamento
misturou chá de cidreira com formicida
pos seu vestido branco também grinalda e véu
enquanto escutava o Bolero, de ravel
mas não deixou bilhete a explicar seu gesto
a xícara vazia a lata de veneno
em cujo conteúdo só ficara um resto
não havia palidez no rosto moreno
e jazia em paz sobre o frio azulejo
com a boca vermelha a implorar um beijo
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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a noiva colocou ponto final à vida
trancada no banheiro do apartamento
misturou chá de cidreira com formicida
pos seu vestido branco também grinalda e véu
enquanto escutava o Bolero, de ravel
mas não deixou bilhete a explicar seu gesto
a xícara vazia a lata de veneno
em cujo conteúdo só ficara um resto
não havia palidez no rosto moreno
e jazia em paz sobre o frio azulejo
com a boca vermelha a implorar um beijo
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 11 de setembro de 2011
O PENÚLTIMO POEMA OU SE UM DIA A SAUDADE TE ENCHER
se eu soubesse inglês palavra que te faria
um poema bem ao estilo de sylvia plath
e depois me matava com gás de cozinha
mas acontece que não sei inglês
perdi muito tempo exigindo liberdade ao meu país
fiz algazarra nas ruas
panfletava de segunda à sexta
deixando os sábados livres para morrer de amor
os domingos não existiam porque a ressaca não permitia
viajar mesmo só viajei nos meus poemas
e com eles aprendi a rezar o latim dos amantes
também fui feliz descobrindo poetas
sempre tive preferência por aqueles que cagaram para a vida
mas eu nunca soube inglês
fiz-me um homem limitado
perdi também o meu tempo acreditando nas estrelas
sem no entanto ouvi-las como bilac
(sempre fui meio surdo)
mas consegui compreender o movimento das marés
que hoje machucam os meus olhos
não tenho mais tempo para saber inglês
e também não vou escrever nenhum poema que lembre sylvia plath
sylvia plath não me interessa mais
eu vou minha poesia fica
como este barco à deriva no mar sem fúria que construí
deixo-te o meu poema que não veio
deixo-te a metade do meu sorriso que perdi num ocaso qualquer
fica contigo toda a minha poesia
faz dela bom uso
se por acaso algum dia a saudade te encher
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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um poema bem ao estilo de sylvia plath
e depois me matava com gás de cozinha
mas acontece que não sei inglês
perdi muito tempo exigindo liberdade ao meu país
fiz algazarra nas ruas
panfletava de segunda à sexta
deixando os sábados livres para morrer de amor
os domingos não existiam porque a ressaca não permitia
viajar mesmo só viajei nos meus poemas
e com eles aprendi a rezar o latim dos amantes
também fui feliz descobrindo poetas
sempre tive preferência por aqueles que cagaram para a vida
mas eu nunca soube inglês
fiz-me um homem limitado
perdi também o meu tempo acreditando nas estrelas
sem no entanto ouvi-las como bilac
(sempre fui meio surdo)
mas consegui compreender o movimento das marés
que hoje machucam os meus olhos
não tenho mais tempo para saber inglês
e também não vou escrever nenhum poema que lembre sylvia plath
sylvia plath não me interessa mais
eu vou minha poesia fica
como este barco à deriva no mar sem fúria que construí
deixo-te o meu poema que não veio
deixo-te a metade do meu sorriso que perdi num ocaso qualquer
fica contigo toda a minha poesia
faz dela bom uso
se por acaso algum dia a saudade te encher
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 8 de setembro de 2011
VARIAÇÕES SOBRE O MESMO SONETO
I
esta pálida luz do teu silêncio
habita os corredores da memória
vai cortando o tempo ao meio e vence o
velho era-uma-vez de toda história
e tudo o que já fomos agora dói
feridas que não cicatrizam nunca
a maldição a caminhar adunca
esta traça que aos bocados nos corrói
assim nos morrem todos os assuntos
tal como nós também morremos juntos
a ambição do nada é o que nos resta
nada nada nada mil vezes nada
comemos das sobras do que foi festa
até que cesse enfim a caminhada
II
as árvores devoraram as datas
sobraram apenas dos tempos idos
velhos vestidos mofadas gravatas
além dos livros que não foram lidos
também fazemos parte das sucatas
como possessos fora dos sentidos
não damos conta das mais insensatas
frases que ferem os nossos ouvidos
não nos dói mais a velha chaga exposta...
no meio da sala já quase sem luz
a tua sombra na minha se encosta
eis enfim a pena a que fizemos jus
por terra cai a derradeira aposta
tudo em nós é morte tudo em nós é cruz
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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esta pálida luz do teu silêncio
habita os corredores da memória
vai cortando o tempo ao meio e vence o
velho era-uma-vez de toda história
e tudo o que já fomos agora dói
feridas que não cicatrizam nunca
a maldição a caminhar adunca
esta traça que aos bocados nos corrói
assim nos morrem todos os assuntos
tal como nós também morremos juntos
a ambição do nada é o que nos resta
nada nada nada mil vezes nada
comemos das sobras do que foi festa
até que cesse enfim a caminhada
II
as árvores devoraram as datas
sobraram apenas dos tempos idos
velhos vestidos mofadas gravatas
além dos livros que não foram lidos
também fazemos parte das sucatas
como possessos fora dos sentidos
não damos conta das mais insensatas
frases que ferem os nossos ouvidos
não nos dói mais a velha chaga exposta...
no meio da sala já quase sem luz
a tua sombra na minha se encosta
eis enfim a pena a que fizemos jus
por terra cai a derradeira aposta
tudo em nós é morte tudo em nós é cruz
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 3 de setembro de 2011
IMPROVISO
"Eu sou Júlio Saraiva,
Animal de muita fama,
Que corre tanto no seco,
Como na vargem de lama,
Mas quando marido chega,
Me escondo embaixo da cama."
Com a devida licença de Paulo Vanzoline
de juízo muito pouco
fui vergonha da família
predestinado a ser louco
não fiz filho não fiz filha
se fosse padre o meu troco
eu dava na homilia
não sou de briga com soco
só brigo na redondilha
com metro e sessenta e quatro
nunca corri de gigante
se a vida é um teatro
aplauso tenho bastante
bravo mas de fino trato
na cama sou bom amante
ao fim do primeiro ato
entro logo no adiante
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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Animal de muita fama,
Que corre tanto no seco,
Como na vargem de lama,
Mas quando marido chega,
Me escondo embaixo da cama."
Com a devida licença de Paulo Vanzoline
de juízo muito pouco
fui vergonha da família
predestinado a ser louco
não fiz filho não fiz filha
se fosse padre o meu troco
eu dava na homilia
não sou de briga com soco
só brigo na redondilha
com metro e sessenta e quatro
nunca corri de gigante
se a vida é um teatro
aplauso tenho bastante
bravo mas de fino trato
na cama sou bom amante
ao fim do primeiro ato
entro logo no adiante
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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CANÇÂO DA CASA TRISTE
minha casa é triste mas tão triste
que até a tristeza passa longe dela
além de mim e dos meus livros
só o vazio habita nela
a moça que na casa havia
fugiu levando a janela
o currupião que cantava
de tédio se estrangulou
meu resto de alegria
a chuva brava levou
minha casa é pobre mas tão pobre
que são francisco de assis
ao ver tamanha pobreza
olhou seu roto burel
achou que era traje de riqueza
e pediu perdão a deus do céu
minha casa é pequena mas tão pequena
que a pequenez viu-se grande
bem maior do que um gigante
e sentiu tamanha agonia
ao perceber que na minha casa
sua pequenez mal cabia
minha casa é triste mas tão triste
minha casa é pobre mas tão pobre
minha casa é pequena mas tão pequena
que eu nem sei mais se ela existe
porque sua pouca existência
é esta toda que me cobre
é esta que me envenena
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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que até a tristeza passa longe dela
além de mim e dos meus livros
só o vazio habita nela
a moça que na casa havia
fugiu levando a janela
o currupião que cantava
de tédio se estrangulou
meu resto de alegria
a chuva brava levou
minha casa é pobre mas tão pobre
que são francisco de assis
ao ver tamanha pobreza
olhou seu roto burel
achou que era traje de riqueza
e pediu perdão a deus do céu
minha casa é pequena mas tão pequena
que a pequenez viu-se grande
bem maior do que um gigante
e sentiu tamanha agonia
ao perceber que na minha casa
sua pequenez mal cabia
minha casa é triste mas tão triste
minha casa é pobre mas tão pobre
minha casa é pequena mas tão pequena
que eu nem sei mais se ela existe
porque sua pouca existência
é esta toda que me cobre
é esta que me envenena
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Júlio Saraiva,
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sexta-feira, 2 de setembro de 2011
2 POEMAS RELÂMPAGOS
NOVA CARTILHA
onde ivo
via
a uva
hoje ovídeo
vê
o vídeo
___________
CARTAZ PARA O DIA DOS NAMORADOS
amor é rasgo
amor é risco
amor é sempre
o mesmo disco
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onde ivo
via
a uva
hoje ovídeo
vê
o vídeo
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CARTAZ PARA O DIA DOS NAMORADOS
amor é rasgo
amor é risco
amor é sempre
o mesmo disco
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