XVII
Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...
E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela amarelada...
Como único bem que me ficou!
Vinde, corvos. chacais, ladrões da estrada!
Ah! desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca!
____________________
ENVELHECER
Antes, todos os caminhos iam
Agora, todos os caminhos vêm
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
________________________
FATALIDADE
Em todos os velórios há sempre uma senhora gorda
que, em determinado momento, suspira e diz:
- Coitado! Descansou...
__________________________
BOCA DA NOITE
O grilo canta escondido...e ninguém sabe de onde
vem seu canto... nem de onde vem essa tristeza imen-
sa daquele último lampião da rua...
_________________________
MENTIRA?
A mentira é uma verdade que se esqueceu de aconte-
cer.
_____________________________
VIAGEM
O fim do cigarro tem uma tristeza de fim-de-linha...
_______________________
Mario Quintana, Poesias,
editora Globo, Porto Alegre,
Rio Grande do Sul,
Brasil, 2ª edição, 1975
______________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário