DO POETA MORTO
Da vida esta aventura sem ventura,
Parte o cantor legando-nos seu canto,
E a morte surge como surge o pranto
Na face da paixão que inda perdura
E do silêncio que se faz ternura,
E da alegria que se faz espanto,
A rua desmanchada no acalanto
E o verso-estrela numa noite escura.
Parte ficando em tudo quanto amou,
Nos gestos que sangrou de veia aberta
E na canção dos corpos que habitou.
E aquele que do amor fez sua vida,
Conquista na paixão que lhe desperta
A morte essa mulher desconhecida!
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Paulo Bomfim,
da Academia Paulista de Letras,
São Paulo, Brasil
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RIMAS
Rimei Vinícius com vícios,
mas não foi por ser cobarde,
só que estava num hospício
e eram muitas da tarde
ali à espera das drogas
para cuidar das maleitas
e apareceu-me de toga
uma pomba tão escorreita,
tão negra, com tais arrulhos,
que caí no precipício:
e afrontei os engulhos
e encontrei o Vinícius.
Só que os vícios do Vinícius
não são vícios, são virtudes:
e até rimam com solstícios,
violões e alaúdes
e baladas, violinos
elegias, tanto mais...
(Apesar do "gato morto"
só não rimam com ataúdes).
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Domingos da Mota,
Vila Nova de Gaia, Portugal
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O TIJOLO
para Vinícius de Moraes
anda um homem
feito besta
a dar cabo do coirão.
tijolo em cima
de tijolo
constrói mais um prédio
para o patrão.
enquanto o operário
se alimenta
com barro e pó
o patrão usurário
enche o bucho
a lagosta e pão-de-ló.
dizer sim
a tudo o que
quer o patrão
é sua sina
sem nunca
poder dizer não
aos que lhe
negam o pão.
e tijolo,
após tijolo
o operário prossegue
a sua construção.
lutando por
permanecer de pé,
pegando a vida
pelos cornos.
até que pelas costas,
um tiro lhe dão.
e porque deixa,
de tijolos fazer,
oferecem-lhe
como prémio
um espaço
entre meia dúzia
de tábuas.
dão-lhe enfim
descanso!
deixa de ser
escravo,
porque hirto,
gélido
e sem qualquer
préstimo
para tijolos fazer.
agora,
resta-lhe aguardar
pelo patrão
numa terra onde,
(porque iguais são)
lado a lado
ficarão eternamente
a fazer... tijolo.
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Eduardo Roseira,
Vila Nova de Gaia, Portugal
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PRESENÇA DE VINÍCIUS
"Porque hoje é sábado."
- Vinícius de Moraes -
entro na sala e encontro o poeta
juntos erguemos nossos copos
e brindamos saúdes antigas
o poeta fuma
eu fumo também como se cumpríssemos
a um ritual secular
- cedo demais para beber e fumar tanto...
o poeta se ajeita na poltrona e ri
vinícius não morreu - concluo
hoje não
hoje vinícius não pode morrer
vinícius está bem vivo aqui comigo
na sala
vinícius bebe e fuma comigo
na sala
vinícius respira tranquilo
ao poeta hoje
não é dado o direito de morrer
acordem as amadas
todas as amadas
e as mal-amadas também
hoje não é dado ao poeta
o direito de morrer
porque hoje é sábado
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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Caro Júlio,
ResponderExcluiro meu poema Rimas, com todas as referências e actualizado, está publicado no blogue http://morcegoseolhimancos.blogspot.com/2009/04/rimas.html.
Obrigado pela sua escolha nesta homenagem a Vinícius.
Domingos da Mota
sempre bem-vindo, da mota. o espaço também é seu. quem agradece sou eu.
ResponderExcluirjúlio