tenho a quase louca impressão:
vi-te a beber chá ou rum num qualquer café londrino
tinhas o cigarro ao canto da boca
e eu bebia e fumava também
estávamos separados a poucos metros por uma mesa
e eu não tirava os olhos das pernas da garçonete com sotaque francês
corria o ano de 1956
ano em que por acaso nasci
lias alguns jornais no café
e reparei que a exemplo dos meus os teus olhos eram tristes
culpa talvez das notícias
depois bem depois soube que o amigo navegava
pelos mares de lisboa
amália ainda cantava
e podia se ouvir pelo rádio
mas sabes como é mario
quando a gente caça gilete para cortar os pulsos
procura sempre a veia mais azul
o sangue esguicha mais rápido
a hemorragia vem mais depressa
e a morte é um salto só
mas neste tempo eu ainda estava no ventre da mãe
não tinha ideias suicidas
e nem planejava escrever nenhum poema
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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Tem dentro a tristeza do cigarro esquecido no canto da boca. O fascínio assustador da lâmina. O corte fundo de saudade e reverência. E dois poetas maiores. Abraços aos dois.
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