Numa tarde de janeiro, entro na unidade de terapia intensiva de um hospital. Minha mãe está quase morta. Entubada. Os olhos já não abrem. Em vão, tento reanimá-la: "Mãe, sou eu."
Os olhos cada vez mais cadavéricos continuam sem brilho. Há um homem ao lado também agonizando, no mesmo final que ela. Peço à enfermeira, uma menina loura e bonita, que me deixe descer um pouco para beber alguma coisa.
A filha do homem, que também agoniza ao lado, desce junto e pede um café. Sabemos que o final dos dois será o mesmo. Só não sabemos o destino, o cemitério Serão caminhos diferentes que o carro fúnebre irá levar
. A menina volta à uti, aperta a mão do pai em agonia. Já não faço o mesmo com a minha mãe. Mas lhe beijo a face quase fria. Está morta. A enfermeira loura me diz que o médico quer falar comigo, porém teme minha reação.
Eu peço a ela que o deixe vir. Desce um moço recém-formado. Sirvo-lhe de pai. É taxativo comigo:
"Eu não posso fazer mais nada. Os rins estão paralisados. Os pulmões parados. Ela vai morrer."
Para o espanto do jovem médico, que assinou o óbito, eu digo:
"Por favor, desligue tudo. E dê a ela uma morte digna."
Ele me responde que não pode fazer isso, mas meia hora depois me liga:
"Sua mãe entrou em óbito."
Claro que fez o que devia fazer. E o fez com sua dignidade ainda de menino.
Saí de volta ao hospital. Olhei minha mãe no necrotério. Pedi que lhe descobrissem a cabeça. Só queria ver o rosto. Ainda era belo. Quando lhe veio o caixão, pedi apenas que lhe quebrassem os ossos. O corpo estava muito inchado. Não podiam fazer. Trocaram o caixão. Voltei pra casa. Quando fui ao velório, chorei um pouco escondido. E percebi,pela primeira vez. Percebi, que já tinha cinquenta e três anos. Era um homem feito.
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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Querido Júlio, deste lado do oceano choro sozinha a
ResponderExcluirsua dor. Beijos,
Rosangela
panda,
ResponderExcluirobrigado..saudade,
beijo,
j.