“O universal é o local sem paredes.” (Miguel Torga) "Escrever é um ato de liberdade." (Antônio Callado) "Embora nem todo filho da puta seja censor,todo censor é filho da puta." (Julio Saraiva)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

HOLLYWOODIANO



na sala de projeção
sem plateia
somos duas almas
hollywoodianas
desajeitadas
belas e desesperadas
vivendo épocas diferentes

temos diante de nós
o espaço vazio da tela
e só nos enxergamos
em preto e branco

 um piano faz fundo
gostaria de tirar você
pra dançar
enquanto a sessão
não começa
mas mesmo tendo
carlitos aqui comigo
sei que você recusaria
ao meu convite

latas velhas empoeiradas
jazem numa pequena mesa
ao lado do projetor
que não funciona mais
vejo essas latas
como ataúdes empilhados
precisamos destruí-las
porque elas um dia nos destruiram
também essas películas
devem ser apagadas
não podemos deixar
vestígios do que fomos

seus olhos de marilyn
me parecem mais tristes
mas agora eu não me assusto
 quando percebo escorrer
dos cantos da sua boca
uma baba espessa
mistura de vinho com barbitúricos

logo você dormirá
e eu ficarei acordado
dançando
até que o cansaço
também me vença
ai sim dormirei ao seu lado
sem tocar no seu corpo
como exige o roteiro

quando despertarmos
na manhã seguinte
nesta mesma sala de projeção
vazia
 nossas almas hollywodianas
terão deixado de existir
 e as cores voltarão aos nossos olhos
e então
tendo o leão da metro por testemunha
firmaremos um pacto de ódio
até ao final das nossas vidas

______________________
Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
______________________

Um comentário:

  1. a interpretação é brilhante. gostaria de saber dizer assim. minha voz é muito rouca.

    beijo, irmão. e obrigado,

    j.

    ResponderExcluir

Compartilhe o Currupião