"Fosse eu Rei do Mundo,
Baixava uma lei:
Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre
junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino
feito grão de milho."
- Carlos Drummond de Andrade -
não agonizavas - dormias
dormias profundo como gostavas
segurei tua mão
num gesto inútil tentei abrir teus olhos
ainda respiravas
no entanto dormias
chamei teu nome
não me escutavas
eu que nunca cri pedi tanto que um anjo
surgisse à minha frente
em lugar do anjo apareceu um rapaz de branco
bateu de leve no meu ombro
e disse que era questão de horas
poucas horas...
(e se eu parasse todos os relógios do mundo?)
desci para fumar um cigarro
repeti comigo
:questão de horas
poucas horas...
não derramei uma só lágrima
porque os patifes não choram
no bar em frente ao hospital
pedi uma bebida forte
coisa que a mãe não gostava
gosto que me persegue desde a mocidade
:questão de horas
poucas horas...
tomei a bebida num gole só
lembrei coisas da minha infância tão longe
de repente eu era menino de novo
ruivo e sardento
malcriado briguento
as expulsões dos colégios
a invasão à clausura dos monges
:questão de horas
poucas horas...
voltei-me homem outra vez
olhei a rua
a pressa dos carros e das gentes a pé
e aquele rosto de cera dentro dos meus olhos
e aqueles olhos que em vão tentei abrir
não derramei uma só lágrima
porque os patifes não choram
quando tornei à sala
já não era mais questão de horas
implorei novamente um anjo
mas o anjo não veio
naquela hora eu queria ser gente
e não o menino ruivo e sardento
agora para sempre desamparado
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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Madrugada de 11-01-2011,
primeiro aniversário da mor-
te da minha mãe.
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