“O universal é o local sem paredes.” (Miguel Torga) "Escrever é um ato de liberdade." (Antônio Callado) "Embora nem todo filho da puta seja censor,todo censor é filho da puta." (Julio Saraiva)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

SOLILÓQUIO

carrego comigo algumas homenagens póstumas
que preparei com bastante antecedência
nunca se sabe o que pode acontecer amanhã
tenho temporais na gaveta da escrivaninha
atrás dos livros guardo algumas despedidas
olhares de adeus que nunca quis apagar da memória
lágrimas corrosivas que muitas vezes cegaram meus olhos
resistiram ao tempo - parece que as derramei ontem
não sei se é normal mas gosto de inventariar tristezas
o gosto amargo de certos dias ainda posso sentir na boca
da mesma forma que sinto beijos que deixei de dar ou receber
devia pedir mas não peço perdão por me maltratar tanto
quando o silêncio começa a incomodar
dou corda no currupião que tenho há anos
e ele canta e só eu posso ouvi-lo - ninguém mais
agora se for pra sentir medo que me venha de vez o pavor
sou feito de exageros e o pavor assusta mais que o medo
por isso vivo em sobressaltos
por isso acordo sempre com a sirene da ambulância nos ouvidos
ao lado da cama a enfermeira imaginária toma o meu pulso
se lhe faço uma declaração de amor ela pede que eu me acalme
na minha idade as emoções devem ser controladas
um susto qualquer susto pode ser faltal
por isso - eu imploro - não me beije agora
deixe pra depois - talvez

_____________________
Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
_____________________

2 comentários:

  1. que delicado poema. que estado de poesia. e que silêncio o seu. que Júlio.

    ResponderExcluir
  2. na minha idade,linda drica, as emoções devem ser controladas.mas fazer o que, se eu sou feito de exageros?!

    beijo, linda.

    j.

    ResponderExcluir

Compartilhe o Currupião