se amanhã por (des) ventura você morrer
não espere de mim lágrimas
não espere de mim tristeza
não espere que eu saia feito louco
pichando os muros da cidade
não espere nada de mim
se alguém vier me consolar
com o olhar enlutado
tenho na ponta da língua
o velho jargão: "A vida continua..."
eu continuo na vida
e este continuar-na-vida é o quanto me basta
talvez eu vá à última sessão de cinema
e acabe dormindo na poltrona como sempre
não vou mudar os meus hábitos
nenhuma morte até agora mudou os meus hábitos
com a sua não vai ser diferente
prometo não parar de fumar
prometo não parar de beber
prometo continuar a mentir
caso eu tenha algum dinheiro
faço uma viagem - vou ver o mar
que há tanto tempo não vejo
e embarco a sua lembrança
num qualquer navio de bandeira estrangeira
quando eu regressar à casa
aí sim penso o que vou fazer de mim
mas não fique na esperança
que eu venha a fazer grande coisa
não tenho mais tempo pra grandes coisas
pode ser que eu apague você da memória
mas não descarto a hipótese de adoecer
talvez eu me dedique aos animais
talvez eu tome lições de piano
só pra aprender a tocar villa lobos
existe ainda a possiblidade remota
de eu me trancar num mosteiro
mas o mais provável mesmo
é que eu perca de vez o juízo
mude os móveis da sala
me apaixone pela vizinha que nunca teve ninguém
case com ela
e acabe com ela os meus dias
mais ou menos feliz para sempre
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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