Lendo os poemas do livro Babel, de Álvaro Alves de Faria.
"Não se salva o mundo nem o poema
nessas línguas que cortam a frase na mudez do grito."
Álvaro Alves de Faria
há uma mulher que talvez me ame
escondida numa cidade qualquer do meu país
não sei no entanto se terei tempo de ama-la
ou mesmo conhece-la
não a quero vítima da minha inquietação doente
se eu ao menos soubesse seu nome
ou endereço de parente próximo
escrevia pedindo-lhe que me esquecesse
seria bom que ela soubesse que tenho as malas feitas
basta um gole qualquer de coragem
há uma mulher que talvez me ame
mas eu não quero que ela siga o meu caminho
meus dias ficaram mais curtos - e isto me dá mais alívio
cansei das palavras que anos a fio me perseguiram
fartei-me de construir versos
de ler poetas que não me levaram a nada
todos só sabiam mentir como eu
drummond
bandeira
hilda
torga
o'neill
sophia
ana cristina
maiakóvski
ungaretti - iluminado de imenso na escuridão de seu porto insepulto
akhamátova - diante de um ícone a chorar seus mortos na sibéria
cecília orides fontel
mesmo gullar que eu quis imitar um dia
mas faltou-me talento
só nas minhas incontáveis e terríveis bebedeiras que me expuseram ao ridículo nas ruas
me pareci com vinícius
no mais não tive jeito para amar
formas/sílabas/rimas - nada disso me interessa mais
tenho corredores imensos a percorrer
vou terminar no mesmo labirinto - sei disso
e levar comigo o peso dos meus dias
do meu tempo
pai e mãe mortos
amores perdidos
: peço perdão a todas as mulheres que se deitaram comigo
peço perdão pelas minhas mentiras
pelo meu lado imundo de homem
meus amigos todos desapareceram como numa fita sem final
muito remorso levo comigo
e também uma moeda no bolso para pagar a travessia ao barqueiro
há uma mulher que talvez me ame
sem pedir qualquer ternura em troca
sem esperar que eu lhe dê sequer uma jóia barata
sem se importar que eu lhe falte com a verdade
ou lhe escreva os poemas que não sei fazer mais
arrependimento também não me pede
só manda dizer que eu tranque as minhas culpas na varanda
e guarde o copo de veneno que tenho sobre o criado-mudo
para o 5° domingo depois de pentecostes
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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