sexta-feira, 23 de novembro de 2012
POEMA NUBLADO
pesava um silêncio roxo de depois da missa
minha avó me levava pela mão à igreja de são geraldo
onde por acaso fui batizado
hoje esbarrando nos sessent'anos
olho o largo padre péricles em perdizes
: a igreja de são geraldo ainda está lá com sua fachada cinza
e em cima do altar-mor o mesmo são geraldo triste segurando um crucifixo
cônego ulisses salvetti que mancava de uma perna
me batizou em latim - sou do tempo do latim - já morreu
minha avó já morreu e meus pais também
para desgosto de minha avó não fui padre
: conheci mulher muito cedo
mas o cordeiro de deus me espia do alto e me perdoa
pensando bem eu não devia nunca ter sido poeta
: acumulei num só peito de homem todas as dores do mundo
e morri muitas vezes
: o prazer pelo álcool começou muito cedo
não deixarei herdeiro e nem herança
os sinos de são geraldo tocam as vésperas
já não creio mais que os santos façam milagres
nada mais espero de mim mas sigo
calado como o cristo morto na procissão de sexta-feira santa
minha mulher me olha com ternura
e me diz que amanhã vai fazer tempo melhor
: mesmo nublado eu acredito - a morte passa
18-11-12
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Júlio Saraiva
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